sexta-feira, 5 de junho de 2009

Primeira brasileira no topo do mundo


O que leva uma pessoa normal a deixar uma atividade profissional segura e tranquila, o conforto do lar e a companhia do marido e filha, para se aventurar em escaladas de montanhas e viver situações adversas e perigosas, com risco de morte?

A resposta pode estar no íntimo da cirurgiã plástica Ana Elisa Boscarioli, primeira brasileira a conquistar o cume do Monte Everest, no Himalaia que, não satisfeita, busca agora ser a primeira sul americana a escalar as sete montanhas mais altas do mundo. Faltam apenas quatro. Além do Everest ela já conquistou o Aconcágua (6.962 metros) por três vezes, e o Cho Oyo (8.201 metros).

Ela tem a capacidade de incomodar os acomodados, envergonhar as dondocas e motivar os empreendedores a se empenharem por objetivos de conquista aparentemente distantes.

A trajetória de Ana começou em 1999, quando participou de um trakking ao campo base do Monte Everest, se apaixonou pelas paisagens da montanha e decidiu que iria conquistá-la. “Você está louca! Se quer escalar uma montanha, porque não participa antes do Ironman?” disse-lhe o marido, na tentativa de demovê-la da idéia. Ela foi, e conseguiu completar a prova de atletismo mais difícil do mundo, com 3,8 km de natação, 180 km de ciclismo e 42 km de corrida.

Para subir o Everest foram sete anos de preparação, com pesquisas sobre alpinismo, leituras de publicações médicas sobre efeitos da altitude, curso de escalada em rocha e em gelo, preparo físico em academias, treinamento de corrida, natação, ciclismo e musculação, até estar pronta para objetivos intermediários.

Depois de subir o Aconcágua e o Ocho Oyo decidiu que estava pronta para o Everest. Para iniciar a escalada também teve de cumprir diversas etapas, começando por Katmandu em março de 2006, com uma caminhada de 10 dias até a base de 5.000 metros do Monte. Ficou dois meses 'morando' no acampamento para o corpo se adaptar, aprimorar o treinamento e aguardar a ocasião mais propícia para iniciar a escalada.

“Uma lição que aprendemos é respeitar o clima e a natureza. No acampamento, onde estavam cerca de 400 pessoas, a previsão do tempo é permanente”, lembra Ana. Segundo ela, o corpo, quando em situações extremas, reage com dores de cabeça, falta de ar a qualquer esforço, cansaço e até com problemas mais graves. As escaladas são acompanhadas por equipes de shepas, alpinistas locais experientes que estendem bandeiras coloridas nos acampamentos. “Nas bandeiras estão escritos mantras que o vento entoa, eles acreditam”, explica Ana.

A etapa seguinte foi a subida para o acampamento 1, a 6.000 metros, e depois para o acampamento 2, uma base avançada a 7.500 metros. “Muitas pessoas desistem, por causa das mortes, acidentes, problemas de saúde e também por causa do desgaste físico e emocional”, explica Ana. Até o acampamento 3, a Parede do Lost, a 7.500 metros, as dificuldades aumentam. As cachoeiras de gelo e profundas fendas são superadas pelo trabalho em equipes amarradas por cordas e escadas deitadas servindo de ponte. No acampamento 4, a 8.000 metros, o frio estava a 25º negativos.

Para continuar subindo, só com tubo de oxigênio. “São dois tubos de cinco quilos cada, mais água, alimentos, a roupa e equipamentos, que somam cerca de 25 quilos para carregar. A poucos metros do cume senti muita sede e fraqueza, sintomas de hipoglicemia. Engoli um tablete de proteína e tomei água antes de conquistar o topo”, lembra.

A emoção, segundo ela, é indescritível, embora tenha durado apenas quinze minutos. Logo iniciou a descida, também perigosa. Naquele momento morria do outro lado da montanha o campineiro Vitor Negrete, companheiro de Ana, que a guiou na conquista do Aconcágua pela Glacial dos Polacos. Negrete tentou conquistar o cume sem uso de oxigênio, e conseguiu, mas na descida foi surpreendido pelo frio e acabou morrendo. Foi enterrado ali mesmo, pelos shepas, como era seu desejo.

Para Ana, hoje com 43 anos, uma filha de nove e casada com o campeão brasileiro de tiro ao prato, foi um importante aprendizado. “Tudo na vida tem obstáculos. Temos sempre que ter um cume em vista”, filosofa.