sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Caso Shell opõe Ministério Público do Trabalho e Unicamp



Confrontos em notas oficias abalam credibilidade das instituições em Campinas

A procuradora do Trabalho Márcia Kamei López Aliaga encaminhou ofício ao procurador-geral de Justiça do Estado, Fernando Grella Vieira, solicitando que o Ministério Público do Estado investigue convênios firmados entre a Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e as empresas Shell Brasil S/A, Basf S/A e Kraton para a produção de laudos referentes à contaminação ambiental ocorrida no bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia.

A Procuradoria suspeita que a Unicamp defendeu interesses privados da Shell e não os da população da área e dos trabalhadores da multinacional na contaminação que ficou conhecida como “Caso Shell”.

A Procuradoria-Geral da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) divulgou uma nota oficial onde contesta a procuradora do Ministério Público do Trabalho. Os professores Ângelo Zanaga Trapé, do Ambulatório de Toxicologia, Wilson de Figueiredo Jardim, do Instituto de Química (IQ), e Flávio Ailto Duque Zambrone, que foi professor da Unicamp na área de saúde ambiental até 2007, foram mencionados por terem prestado serviços à Shell em estudos sobre a área contaminada em Paulína.

“A celebração de convênios e contratos entre a Unicamp e instituições públicas e privadas, nacionais e internacionais, segue rigorosa avaliação acadêmica e administrativa, que tramita por seis instâncias colegiadas, culminando na aprovação pelo Conselho Universitário, que analisa também o relatório final”, relatou a nota oficial, que prosseguiu: “A Unicamp estranha que o Ministério Público do Trabalho (MPT) venha a público para emitir juízo de valor sobre as regras estatutárias da instituição, matéria para a qual não tem atribuição legal e aparente interesse jurídico”, esclarece a nota.

De acordo com o ofício elaborado pela procuradora do MPT (Ministério Público do Trabalho), a análise do teor desses convênios e dos resultados dos laudos produzidos pela Unicamp mostram que existiriam “fortes indícios de que a universidade poderia ter ferido princípios éticos e legais da administração pública”, ao contestar o resultado de avaliações feitas pela Secretaria de Saúde de Paulínia, baseadas em princípios do SUS (Sistema Único de Saúde), que apontaram a contaminação dos moradores do bairro por produtos tóxicos provenientes dessas empresas e que teriam contaminado a água consumida naquela região.

O professor Ângelo Trapé afirma na nota oficial que não emitiu parecer na qualidade de assistente técnico do Ministério Público no inquérito civil que trata do Caso Shell porque se afastou dessa função antes da emissão do documento.

Segundo Márcia, os laudos produzidos pela Unicamp atenderiam a interesses privados das empresas, questionando até o relatório de avaliação do impacto na saúde dos moradores do Recanto dos Pássaros, elaborado pelos médicos Igor Vassilieff e Cláudia Regina Guerreiro, a pedido da Prefeitura de Paulínia, e que serviu como base para ação civil pública do Ministério Público de Paulínia contra a Shell.

Em nota, a Shell ressaltou que “sempre conduziu suas atividades com base em políticas estruturais que norteiam uma gestão ética e responsável em todos os níveis de relacionamento”.

Por meio da assessoria de imprensa da Planitox, o médico Flávio Zambrone afirmou que desconhece supostas suspeitas de autoria do Ministério Público do Trabalho a respeito de sua conduta profissional. Até o momento, nenhuma autoridade pública o interpelou sobre o assunto.

Diante da nota da Unicamp que contesta a postura da procuradora Márcia Kamei López Aliaga, a Procuradoria Regional do Trabalho da 15ª Região rebateu a contestação afirmando que tem plena ciência de suas atribuições constitucionais e legais, assim como aquelas pertinentes aos demais ramos do Ministério Público. Por essa razão, encaminhou representação ao MPE, solicitando o aprofundamento das investigações, cumprindo o que determina a lei 7.347/85, que prevê, em seu artigo 6º, que “qualquer pessoa poderá e o servidor público DEVERÁ provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção”, bem como os ditames do artigo 7º, inciso III, da Lei Complemetar nº 75, que rege a atuação dos operadores do Ministério Público da União.

"O documento apresentado ao órgão ministerial estadual trata-se de mera representação, cujo conteúdo advém de fortes evidências levantadas em inquérito civil conduzido por este parquet em face da Shell do Brasil S/A."

Quanto ao trecho da nota que afirma que “o professor Ângelo Trapé não emitiu parecer na qualidade de assistente técnico do Ministério Público no inquérito civil que trata do Caso Shell porque se afastou dessa função antes da emissão do documento mencionado na reportagem”, o MPT esclarece que este é justamente um dos temas abordados na representação, cuja apuração e implicações legais dela decorrentes ficam a encargo do Ministério Público Estadual.

Químicos fizeram denúncia original

O questionamentos sobre os convênios mantidos entre a Unicamp e a Shell pela Procuradoria do Trabalho teve origem em uma representação protocolada pelo Sindicato dos Químicos Unificados de Campinas e pela Atesq (Associação de Trabalhadores Expostos a Substâncias Químicas).

As duas entidades questionaram a indicação por parte da Shell de médicos da Unicamp para realizarem exames em ex-trabalhadores da unidade localizada no Recanto dos Pássaros. Mauro Bandeira, diretor da Atesq.

Reunidos com a intenção de tentar definir uma estratégia jurídica para obter da Shell a compensação pelos danos causados à saúde pela contaminação no Recanto dos Pássaros, os membros da Atesq são unânimes em afirmar que não aceitarão ser examinados pelos médicos da Unicamp.

“Desde que a contaminação foi descoberta, 52 de nós já morreram”, disse Mauro Bandeira, diretor da Atesq. Entre os ex-funcionários está Antônio Baltazar dos Santos, que trabalhou na fábrica da Shell no Recanto dos Pássaros entre 1977 e 2002 e já obteve vários laudos médicos que comprovam a contaminação de seu sangue por produtos tóxicos, com exceção de laudo emitido pela Unicamp.

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